14 de agosto de 2021

FUTURO DO CERRADO SERÁ DE DESEQUILÍBRIO COM TEMPESTADES E ESTIAGENS SEVERAS, DIZ RELATÓRIO DO IPCC

Projeção de cientistas é que região Centro-Oeste, no melhor dos cenários, vai experimentar aumento de eventos climáticos extremos. Consequências atingem pessoas e economia.

Foto: Badiinho Filho

São 23h de quinta-feira e uma tempestade despeja sobre Goiânia, capital de Goiás, 132 milímetros (mm) de água em duas horas, o equivalente a 60% do esperado para todo o mês de fevereiro pela média histórica. O cenário que se viu na manhã seguinte, 12 de fevereiro deste ano, após a terceira maior tempestade da história em Goiânia, foi de destruição. Havia casas, ruas e um hospital alagados; móveis perdidos; uma via interditada com risco de desabamento e árvores caídas. Esta é a realidade que tende a se repetir com maior frequência e intensidade em grande parte da Região-Centro-Oeste, conforme o sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), na sigla em inglês), divulgado na última segunda-feira (09).

Este é apenas um dos graves problemas. Dificuldades para produzir alimentos e aumento da poluição do ar também aparecem como consequências de crise.

O alerta que voltou os olhos do mundo mais uma vez para a crise climática também prevê para a região maior ocorrência de atrasos no início do período chuvoso, secas mais constantes e recorrentes. O que estamos vendo e tende a piorar com o passar dos anos é resultado do aquecimento médio global de 1,07ºC, no comparativo entre os últimos anos e a era pré-industrial.

A certeza de que a situação vai agravar está no fato de que, segundo os 234 cientistas de 66 países que assinam o documento, mesmo que cumprido o maior compromisso mundial para reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE), o aquecimento médio chegará, no mínimo, a 1,5ºC no Planeta.

O Atlas Interativo, disponível no site do IPCC, indica que para o Centro-Oeste do Brasil, considerando o cenário mais otimista, a temperatura avançará 2ºC até 2040 e 2,4ºC nos intervalos 2041-2060 e 2081-2100.

“Nós já temos aumento de 1,07ºC. Com o incremento até 2060, podemos triplicar a quantidade de eventos extremos”, alerta o professor do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Diego Tarley Ferreira Nascimento, que fez uma análise do relatório de mais de 3 mil páginas. A projeção de maior gravidade indica que a temperatura na região parte de um aumento de 2,1ºC (2021-2040), mas com final em 6,4ºC (2081-2100).

Mesmo o cenário mais brando desenhado pelo IPCC projeta aumento dos dias com temperaturas acima de 35ºC. Entre 2021 e 2040, eles podem chegar à média anual de 32,1 dias. De 2041 a 2060, o indicador chega a 42,1 dias. No cenário mais pessimista as perspectivas para os dois períodos são 37,4 dias e 61 dias, respectivamente.

O Centro-Oeste do País está inserido na região denominada Monções da América do Sul, para onde também é assinalada com menor confiança a redução no volume das precipitações, diz a professora do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), Mercedes Bustamante.

Outro vilão desencadeia, numa espécie de efeito dominó, mais impactos para a vida humana e dos animais silvestres. “O atraso da entrada das chuvas tem um impacto significativo para os ecossistemas naturais e manejados. Há também a indicação, com alta confiança, que o aumento da temperatura a 2ºC ou mais intensificará as secas”, destaca Mercedes.

O prolongamento da estiagem com o possível atraso no início do período chuvoso em uma região que tem duas estações tão bem definidas, com cinco meses de seca, é um alerta para o abastecimento público. Nesta sexta-feira (13), Goiânia chegou a 59 dias sem precipitações. Não fossem chuvas discretas, que interromperam mais de um mês de estiagem na bacia, o intervalo seria maior.

O principal manancial de abastecimento público da Região Metropolitana de Goiânia, o Rio Meia Ponte, está no Nível Crítico 1, em uma escala que vai até quatro. Neste ano, a meteorologia prevê regularização do período chuvoso a partir da segunda quinzena de outubro.

RECORDE

Na maioria dos anos este número ultrapassa os cem dias, sendo recorde histórico de 139 dias, registrado no ano passado, conforme informações do Centro de Informações Meteorológicas do Estado de Goiás. De 2015 para cá, a estiagem teve menor duração em 2016: 88 dias. Nos anos seguintes até 2019 ficou acima de cem em todos eles, respectivamente: 129, 119 e 130.

GOIÁS EMITE 3,6% DO CO2

Em 2019, Goiás emitiu 82.909 milhares de toneladas equivalentes de CO2 (Cg CO2eq), conforme dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg). O valor do Estado responde por 3,6% do total nacional.

O maior desafio para o Estado reduzir o número está no campo. A agropecuária, mesmo atuando com tecnologias e projetos para diminuir as emissões, contribuiu com 71,12% do total em maio deste ano. Na sequência aparecem as categorias de energia (14,71%), processos industriais (0,87%), resíduos (3,99%) e mudança de uso da terra e floresta (9,30%).

Atualmente, o Estado ainda não tem um plano para reduzir as emissões.

AGROPECUÁRIA É DURAMENTE AFETADA

Professor do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Diego Tarley Ferreira Nascimento explica que o aumento médio projetado para a temperatura implica também em um incremento nas medições do índice máximo e mínimo. Este fator, somado à questão da estiagem, contribui para outro problema grave no Brasil: as queimadas.

Neste ano, em Goiás, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas (Inpe) espaciais, até a última quinta-feira (12), haviam sido detectados 1.806 ocorrências. O número é 18% maior que o do mesmo período do ano passado.

A professora do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB) Mercedes Bustamante ressalta que a piora na condição terá impactos na economia e na saúde por meio do aumento da poluição. “Adicionalmente, o clima também afeta a propagação de vetores de doenças. Os impactos sobre os sistemas naturais também comprometem os serviços ecossistêmicos, como a conservação de água”, explica.

A professora acrescente que a modificação nas condições climáticas do Cerrado, sob as quais a vegetação e a fauna evoluíram, tende a influenciar no comportamento dos bichos e plantas. “As respostas dos seres vivos podem incluir a dispersão para áreas mais favoráveis, mas isso dependerá da velocidade da mudança climática e do estado e da conexão dos fragmentos remanescentes do Cerrado nativo (…). Para um bioma que já está tão ameaçado, a mudança climática terá profundas consequências”, enfatiza.  O bioma já perdeu mais da metade da área original. Em Goiás, no ano passado, foram devastados, conforme o sistema Prodes do Inpe 724,5 km² , o equivalente à área de Goiânia. O aumento foi de 11% na comparação com o ano de 2019.

Nascimento chama a atenção para as questões que envolvem o agronegócio. “Haverá impactos no agronegócio, especialmente com relação à qualidade e à quantidade de produção de arroz, milho e trigo”, diz o professor da UFG. Ele também assinala que a geração de energia elétrica deve ser ainda mais impactada por causa da mudança no regime das chuvas que afetará os níveis dos reservatórios.

“Convém destacar que tais mudanças no clima seco em nossa região já têm sido apontadas por pesquisas científicas e evidenciadas pela população por conta da intensidade e frequência de eventos extremos”, acrescenta Nascimento. Ele lembra uma pesquisa realizada pela doutora em Geotecnia Ambiental Gislaine Cristina Luiz, que apurou a elevação da temperatura do ar em Goiânia no período de 1961 a 2008. O incremento afetou as mínimas e as máximas.

O professor da UFG também se debruça sobre o tema. Em um estudo apresentado pelo acadêmico do curso de Ecologia e Análise Ambiental da UFG Guilherme Cardoso da Silva e por ele no Simpósio Brasileiro de Climatologia Geográfica, nesta semana, foi apontado aumento considerável das temperaturas máximas e mínimas entre 1961 e 2019. “O relatório do IPCC aponta que esta tendência continuará no decorrer das próximas décadas e séculos”, diz Nascimento.

CIENTISTAS VÃO DETALHAR AINDA MAIS OS PROBLEMAS

O sexto relatório produzido pelo IPCC, da ONU, é o mais enfático até hoje. A relação das ações humanitárias com a crise climática é colocada como contundente. Neste ano, ainda deve haver a divulgação de outros estudos que vão destrinchar as questões e apontar saídas.

A ONU diz que 2021 é marco para evitar a catástrofe climática. Os cientistas acreditam haver uma “janela” na qual seja possível corrigir o rumo para o abismo. Entretanto, eles pontuam que estamos cada vez mais perto da faixa limite. O texto do IPCC é uma forma de pressionar líderes globais. Entre 1º e 12 de novembro, chefes de Estado se reúnem mais uma vez para discutir o assunto.

O Brasil assumiu no Acordo de Paris o compromisso de reduzir em 37% as emissões até 2025 com base nos valores de 2005. Em 2030 a diminuição deve alcançar 43% sobre o mesmo ano base. A neutralidade nas emissões foi divulgada para 2050 pelo governo federal. Entretanto, o avanço no desmatamento desde 2012, mas ganhou força após 2019, é uma ameaça ao cumprimento do pacto.

Professor da UFG, Diego Tarley Ferreira Nascimento indica que a solução passa pela questão do uso de fertilizantes e o aumento das fontes alternativas de energia aos combustíveis fósseis. “É urgente!”

 

Publicado por: Badiinho Filho/Matéria do O Popular