27 de março de 2017

Juiz anula concurso público da prefeeitura de Catalão realizado na gestão anterior

Escrito por: Cristina Mesquita/A Gazeta 24 horas 

Foto: Reprodução 

O juiz Marcus Vinícius Ayres Barreto, de Catalão, publicou sentença hoje, segunda-feira, 27 de março, de decisão tomada no dia 23, que anula o concurso público realizado na gestão do ex-prefeito Jardel Sebba (PSDB). O processo, porém, cabe recurso. A falta de licitação para a escolha da empresa para realização do concurso, foi um dos motivos para a determinação.

A ideia da administração anterior era realizar o concurso em abril de 2016. Porém, o Ministério Público entrou com pedido de anulação, alegando vários vícios, entre eles licitação direcionada, no caso, a Qualicom vencedora do processo. O recurso chegou até Brasília, no Supremo Tribunal Federal (STF) que deferiu o concurso, que foi realizado no final do ano passado.

As provas chegaram a ser feitas e o concurso homologado. Porém, o Ministério Público pediu novamente a sua anulação, sendo acatada, agora, pelo juiz Marcus Vinícius. Em sua sentença, o juiz determinou que a decisão de nulidade esteja a disposição nas páginas virtuais www.catalao.go.gov.br e no www.institutoqualicon.org.br no prazo de 48 horas. Caso não seja obedecida a decisão a multa é de R$ 5mil ao prefeito à época (Jardel Sebba) e ao presidente do Instituto. “Bem como o bloqueio do numerário existente na conta corrente da pessoa jurídica de direito privado na qual foram lançados a crédito as inscrições visando ulterior ressarcimento aos candidatos devendo, para tanto informar e comprovar, em cinco dias, o número total de inscritos e valor arrecadado, também sob pena de multa diária”, diz parte da decisão.

Para o juiz houve erro no procedimento de dispensa da licitação “por violação aos princípios de isonomia e competitividade não sendo precedido de pesquisas em instituições com os mesmos atributos”.  Para o juiz, outro fator agravou a situação: a empresa contratada, segundo ele, não tem condições técnicas para a aplicação do concurso.

“Não há se falar em contrato de risco no caso em análise, eis que a empresa realizadora do concurso tinha garantido um valor mínimo para a realização do certame – R$ 20.000,00 (vinte mil reais) -, ou seja, o que ultrapassasse desse montante deveria ser revertido à municipalidade contratante, visto tratar-se de renda pública”, diz outra parte da sentença.

Para Marcus Vinícius, o processo configurou improbidade administrativa, prevendo como condenação o ressarcimento dos valores pertencentes aos cofres públicos, bem como aplicação de multa civil, suspensão dos direitos políticos e proibição de contratação da empresa pelo Poder Público. Segundo ele, a apresentação do convite e autenticação das mesmas por cartório em Goiânia foram feitos em datas simultâneas.  “A empresa realizadora do concurso tinha garantido um valor mínimo para a realização do certame – R$ 20.000,00 (vinte mil reais) -, ou seja, o que ultrapassasse desse montante deveria ser revertido à municipalidade contratante, visto tratar-se de renda pública” diz o juiz.

Segundo Vinícius, o controle e fiscalização do processo seria do poder público o que não ocorreu. Tanto a prefeitura quando o instituto ficou com a responsabilidade apenas da arrecadação dos valores pagos pelas inscrições. “A  concessão de vantagem exagerada à contratada, estando alheio à quantidade de candidatos inscritos e recursos obtidos capaz de acarretar inequívoco e inconcebível dano ao erário, mormente porque a remuneração do referido instituto será de 93% (noventa e três por cento) do valor total das inscrições (R$ 585.396,00- fls. 620), sendo ressarcido, à municipalidade, apenas, o percentual de 7% (sete por cento) de todos os valores arrecadados (R$ 40.977,72)”.

Ainda pela decisão, o instituto Qualicom deve devolver aos candidatos,  os valores pagos pelas inscrições.

Até o fechamento da matéria, a advogada do ex-prefeito não informou se entrará com recurso. Ela estava em trânsito.

 

Confira a íntegra da sentença:

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO propôs a presente ação em face do MUNICÍPIO DE CATALÃO e INSTITUTO QUALICON – QUALICON QUALIDADE EM CONCURSOS, qualificados na preambular, sustentando e requerendo, em síntese, a nulidade do ato de dispensa de licitação e contrato n. 226/2015 firmado pelos réus para a prestação de serviços especializados em planejamento, organização e execução de concursos públicos no âmbito municipal, entendendo que não observou os requisitos indispensáveis ao procedimento de dispensa de certame licitatório de que trata o art. 26, da Lei n. 8.666/93, mormente quanto aos preços praticados no mercado por instituições que ostentam os atributos previstos no inciso XIII, art. 24 da Lei 8.666/93, motivos pelos quais pretende a nulidade do ato de dispensa da licitação e contrato decorrente havendo indícios de mácula insanável.

Assim, requereu liminar para obrigá-los: a) a suspender a execução do contrato n. 226/2015, ou seja, de realizar o concurso público para provimento de cargos da Administração Pública Municipal previsto para 3 de abril/2016; e b) à inserção, em suas respectivas páginas (http://www.catalao.go.gov.br/http://www.institutoqualicon.org.br/), no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, de informação em destaque, de que aludido concurso está suspenso pela justiça, até final julgamento, indicando o número do protocolo da presente ação, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) ao Prefeito e ao Presidente do Instituto; bem como o bloqueio do numerário existente na conta-corrente da pessoa jurídica de direito privado na qual foram lançados a crédito as inscrições visando ulterior ressarcimento aos candidatos devendo, para tanto, informar e comprovar, em 05 (cinco) dias, o número total de inscritos e valor arrecadado, também sob pena de multa diária, fls. 02/46.

Instrui o feito, fls.48/549.

Acolhido o pleito liminar e regularmente citados (fls. 551/555, 564 e 572), apenas o segundo réu se opôs à pretensão deduzida, porém, depois de expirado o prazo, fls. 634/649.

Da liminar concedida interposto pedido de suspensão ao Colendo Superior Tribunal de Justiça que o conheceu e deu provimento, fls. 759/765.

Por ocasião da audiência, inquiridas quatro testemunhas dentre as arroladas, dispensada as oitivas por carta precatória (fls. 792/795 e fls. 870/871) sucedendo decisão rechaçando requerimento para formação de litisconsórcio passi Em seguida, terceiros se dizendo interessados requereram a formação de assistência litisconsorcial (fls. 900/908 e 950/953) sobre a qual manifestou o autor, fls. 957/960.

É o relatório.

Presentes os pressupostos de constituição, desenvolvimento válido e regular do processo, bem como as condições da ação, decido.

Da análise da documentação acostada, decorre a ilação de que realmente houve mácula no procedimento adotado para a dispensa de licitação por violação aos princípios da isonomia e competitividade não sendo precedido de pesquisas em instituições com os mesmos atributos previstos no inciso XIII, do art. 24 da Lei 8.666/931 com o objetivo de constatar se o preço ajustado no contrato é ou não mais vantajoso para a Administração o que, inequivocamente, afronta o disposto no art. 3º segundo o qual:

“A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

§ 1º É vedado aos agentes públicos:

I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato;”

Ademais, a Súmula 250 do Tribunal de Contas da União, corrobora o entendimento de que a contratação direta também exige que o objeto adquirido possua preço compatível com o praticado no mercado, a saber: “A contratação da instituição sem fins lucrativos com dispensa de licitação, com fulcro no artigo 24, XIII, da Lei 8666/93, somente é admitida nas hipóteses em que houver efetivo nexo entre o mencionado dispositivo, a natureza da instituição e o objeto contratado, além de comprovada a compatibilidade com os preços de mercado”.(g.n.)

Com efeito, inexistindo pesquisa de preços não há como subsistir o procedimento, a dispensa de licitação e respectivo contrato n. 226/2015 (fls. 365/380) por eiva insanável já que a Lei de Licitações, em seu art. 26, § único, III, impõe à Administração o dever de promover a justificativa de preço em respeito aos princípios administrativos da competitividade, isonomia e moralidade, dentre outros, que também tem por escopo proteger os particulares interessados nos procedimentos licitatórios.

A propósito, de nenhum relevo os documentos apresentados (fls. 718/739) no afã de comprovar pesquisa de preços, pois além de confeccionados para outro ente público (SAE), nenhuma das instituições supostamente pesquisadas demostraram documentalmente suas existências legais e respectivos atributos exigidos pelo inciso XIII, do art. 24 da Lei n. 8.666/93 à míngua de apresentação dos estatutos sociais.

De outro vértice, os indícios de irregularidades na realização de concursos públicos pelo instituto em várias regiões do País afasta o requisito da inquestionável reputação ético-profissional a legitimar/justificar a dispensa de licitação, conforme bem delineado na peça de ingresso (fls. 20/21), sem se olvidar que a taxa de inscrição em concurso público é considerada receita pública, razão pela qual os valores das inscrições deveriam ser recolhidas à conta do ente público para satisfação das despesas com o certame e não na da empresa organizadora como ocorreu.

Adiante pertinente julgado:

“TRIPLO RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONCURSO PÚBLICO. DIRECIONAMENTO DA LICITAÇÃO COMPROVADA. TAXA DE INSCRIÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. RENDA PÚBLICA. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO MUNICIPAL. PREVISÃO DE VALOR MÍNIMO NO CONTRATO. CONTRATO DE RISCO. INOCORRÊNCIA. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. 1 – Em que pese a existência de controvérsia no âmbito doutrinário e jurisprudencial acerca da natureza jurídica das taxas de inscrição em concursos públicos, a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) é uníssona no sentido de que as taxas pagas pelos candidatos constituem rendas públicas, devendo ser recolhidas aos cofres públicos e utilizadas para o custeio das despesas de realização do certame. Precedentes do TCU. Súmula 214. 2 – No caso vertente, afere-se o direcionamento da licitação em razão da coincidência quanto à data de entrega dos convites, autenticação dos documentos pelo mesmo cartório em Goiânia, inclusive com sequência de selos de autenticação e emissão de certidões negativas com datas e horários simultâneos, bem como escolha de empresas que não possuem capacidade técnica para realização de concursos públicos por desenvolverem outras atividades, sendo uma delas prestadora de serviços na área da advocacia. 3 – Não há se falar em contrato de risco no caso em análise, eis que a empresa realizadora do concurso tinha garantido um valor mínimo para a realização do certame – R$ 20.000,00 (vinte mil reais) -, ou seja, o que ultrapassasse desse montante deveria ser revertido à municipalidade contratante, visto tratar-se de renda pública. 4 – Configurados atos de improbidade administrativa, importa condenação em ressarcimento dos valores pertencentes ao erário, bem como aplicação de multa civil, suspensão dos direitos políticos e proibição de contratação com o Poder Público. Recursos de apelação conhecidos, parcialmente provido o primeiro e desprovidos os demais. (TJGO, APELACAO CIVEL 193600-58.2009.8.09.0029, Rel. DES. GERSON SANTANA CINTRA, 3A CAMARA CIVEL, julgado em 02/07/2013, DJe 1343 de 15/07/2013).

Ora, ainda que haja divergência quanto a natureza jurídica dos recursos proveniente das taxas de inscrições de concurso público no âmbito do STJ, não se pode esquecer que “a adequada destinação desses valores é de interesse público primário,”2, devendo, por tal motivo, ser submetida ao controle e fiscalização pelo ente público, o que não ocorreu outorgando o Município de Catalão ao instituto a responsabilidade exclusiva de arrecadar os valores das inscrições efetuadas pelos candidatos sem se preocupar com o montante auferido, implicando em inequívoco desequilíbrio contratual, com induvidosa concessão de vantagem exagerada à contratada, estando alheio à quantidade de candidatos inscritos e recursos obtidos capaz de acarretar inequívoco e inconcebível dano ao erário, mormente porque a remuneração do referido instituto será de 93% (noventa e três por cento) do valor total das inscrições (R$ 585.396,00- fls. 620), sendo ressarcido, à municipalidade, apenas, o percentual de 7% (sete por cento) de todos os valores arrecadados (R$ 40.977,72), conforme disciplina a cláusula quarta do pacto (fls. 366).

Com efeito, patente desequilíbrio contratual, considerada a destinação ínfima e limitada das verbas arrecadada à municipalidade, sem nenhuma preocupação, por parte do gestor de antanho, com a confecção/elaboração de estimativa de provável receita auferida com o concurso, diga-se indispensável para estimar o valor da contratação (requisito que determina a modalidade licitatória), como requer o ar. 23, da Lei de Licitações, de modo que é totalmente questionável a opção pelo procedimento adotado que beneficiou exclusivamente o instituto contratado.

O resultado, aliás, de reconhecimento de mácula insanável no procedimento licitatório induz à do contrato e, por conseguinte, a anulação do certame público, consoante exegese do art. 49, § 2º, da Lei n. 8.666/93:

“Art. 49. A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado.

{…};

§ 2º. A nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei.” (g.n.)

Insta registrar, por derradeiro, que não subsiste os pleitos para inclusão de terceiros como assistentes (fls. 900/908 e fls. 950/953), pois permitir a utilização de aludido instituto estando o processo apto/concluso para julgamento (fls. 876), por obvio, ocasionaria tumulto à marcha processual a ponto de comprometer o princípio da duração razoável do processo (CF, art. 5º, LXXVIII)3, mormente porque formulado pedido de produção de prova oral pelo segundo peticionário, sem se olvidar que os primeiros já ajuizaram ação autônoma em face do Município de Catalão (cf. certidão de fls. 946-v).

Isso posto e ao que mais dos autos consta, julgo PROCEDENTE o pedido de fls. 02/46 para declarar a nulidade do ato de dispensa de licitação, do Contrato n. 226/2015 e, por conseguinte, do ato administrativo de homologação do certame n. 001/2016, bem como determino ao Instituto Qualicon a ressarcir aos candidatos inscritos as importâncias despendidas a título de inscrição no certame.

P.R.I.C.

Catalão, 23 de março de 2017.

MARCUS VINÍCIUS AYRES BARRETO

JUIZ DE DIREITO