21 de novembro de 2017

Falsa biomédica diz em audiência que se sente parcialmente culpada por morte de mulher que aumentou bumbum

“Raquel Policena é ouvida em audiência sobre morte de mulher que aumentou bumbum” (Foto: Murillo Velasco/G1)

A falsa biomédica Raquel Policena Rosa e o marido, Fábio Justiniano Ribeiro, foram interrogados na manhã de ontem, segunda-feira (20) durante uma audiência do processo que apura a morte da ajudante de leilão Maria José Brandão, de 39 anos, depois de fazer aplicações para aumentar o bumbum, em Goiânia, há mais de três anosNa sessão, Raquel afirmou que se sente parcialmente culpada no caso.

Durante depoimento, a mulher disse também que fez aplicações para aumentar o próprio bumbum e que não sofreu intercorrências. Questionada pelo juiz Jesseir Coelho de Alcântara, que conduz a audiência, sobre ao fato dela responder por homicídio simples, exercício ilegal da profissão de farmácia e falsificação de medicamentos, Raquel disse que parte das acusações são legítimas.

“Em parte são verdadeiras, porque eu fiz a aplicação. Mas em parte não, porque eu não sei se foi isso que causou a morte dela. Agora em relação à falsificação eu nunca falsifiquei nada. Fiz um curso de bioplastia, em Mogi Guaçu [SP], recebi o certificado”, afirmou.

A audiência começou por volta das 9h na 3ª Vara de Crimes Dolosos Contra a Vida. Durante os 20 primeiros minutos de depoimento Raquel foi indagada pelo juiz e, na sequência, começaram os questionamentos do Ministério Público de Goiás. Durante o depoimento, Raquel contou que fez, ao longo da vida, aplicações em cinco clientes, além de aplicações nela própria, para aumentar o bumbum.

Raquel também disse Maria José omitiu que tomava remédio para emagrecer. Policena disse que cobrou R$ 3 mil pelas aplicações e que a ajudante de leilão não passou mal após a primeira aplicação, feita em um hotel do Setor Oeste, em Goiânia.

“No primeiro dia ela não passou mal, não sentiu nada. Ela reclamou que estava inchado, mas eu expliquei que era em decorrência da aplicação. Na segunda aplicação, ela saiu normal e comentou que estava com dor de cabeça por conta de um remédio que ela estava tomando para emagrecer, e eu questionei porque ela não tinha me avisado antes, porque na primeira aplicação ela não disse nada”, contou.

“Maria José Brandão morreu após fazer aplicação de hidrogel no bumbum” (Foto: Aracylleny Santos/ Arquivo Pessoal)
Outro depoimento

O depoimento de Raquel durou meia hora e, em seguida, foi a vez do seu marido, Fábio. Ele confirmou a versão dada pela falsa biomédica sobre as aplicações em Maria José, mas negou que participasse das sessões, como foi relatado por algumas testemunhas do processo.

“Eu só acompanhava a Raquel, não ficava dentro da sala de aplicação. Ela não dirige, então eu sempre levava ela de um lugar ao outro. O que eu fiz foi uma massagem no glúteo da Maria José, depois da primeira aplicação, ainda no hotel. Mas minha função era recolher os objetos, carregar o lixo para a Raquel”, afirmou.

Na audiência ele contou que acompanhou Raquel no curso de bioplastia no interior de São Paulo e, inclusive, chegou a ser “cobaia” em uma aula prática.

“O final do curso era prática. Foi chamada uma mulher para aplicar no glúteo e eu entrei, em seguida, para que aplicassem no meu rosto. E eu participei dessa forma e deu tudo certo. Ele falou que não precisava ser médico para fazer as aplicações, e que a Raquel estava habilitada para fazer os procedimentos”, disse.

Processo 

Os depoimentos de Raquel e Fábio marcam a reta final do processo que apura a morte de Maria José. Para o promotor de Justiça Agnaldo Bezerra Lino Tocantins não resta dúvida de que o casal foi responsável pela morte.

“Restou demonstrado que eles agiram com dolo eventual, quando consentiram do risco da morte da paciente. Compra-se um produto na rua, adulterado, sem experiência e injeta numa pessoa que morte por conta disso. O nexo causal está completo. O Fábio também participou, todas as testemunhas afirmam que ele ajudou. Apesar dele negar, o que é uma faculdade dele, temos indícios de que ele participava”, disse o promotor.

Já o advogado de defesa, Ricardo Naves, afirma que Raquel estava apta para fazer o procedimento e que, nem ela, nem o marido, tiveram responsabilidade.

“Ela fez esta aplicação em cinco pessoas e nela própria e nunca deu nenhum tipo de reação. O procedimento era feito com propriedade, ela fez o curso. Então, não ficou comprovado de que a morte foi acusada por conta do hidrogel. Por conta disto ela não pode ser responsabilizada. Muito menos o Fábio, que só carregava mala pra noiva”, disse o advogado.

De acordo com o juiz Jesseir Coelho de Alcântara, que preside o caso, o Ministério Público e a defesa têm agora cinco dias para apresentar as alegações finais. Após isto ele deve decidir se o casal vai ou não a júri popular. Durante o processo, seis testemunhas foram ouvidas em Goiânia e outras sete por meio de precatória em outras cidades.

“Depois de feita toda instrução processual, após a apresentação deste memorial escrito eu vou decidir se eles vão a júri popular. Até o final do ano vamos ter esta decisão. Para eles irem a júri, temos que ver se há indícios de materialidade, e autoria, depois de analisar as alegações tanto da defesa quanto do Ministério Público”, disse o juiz.

Os réus respondem ao processo em liberdade. Eles são acusados de homicídio com dolo eventual, exercício ilegal da medicina e venda de produto falsificado.

Audiência anteriores 

A audiência anterior do caso ocorreu no dia 4 de outubro. Na ocasião, o juiz ouviu duas testemunhas.

Uma delas, que preferiu não se identificar, disse que também fez o procedimento com Raquel em um hotel. Segundo ela, o líquido injetado no bumbum era retirado de um frasco grande despejado em um copo de uísque e depois colocado na seringa. Emocionada, ela contou que perdeu o emprego e que ainda toma remédios para as dores que sente nas nádegas.

“Achei estranho pelo local e porque ela não usava luva, mas acabei fazendo porque via várias mulheres saindo bem. Mas eu saí de lá com muita tontura. A Maria José já tinha saído de lá com muita falta de ar. Tive febre, muitas dores e fiquei 4 dias internada. Até hoje eu sinto dor em um dos lados, não consigo sentar direito. Minha vida acabou. Hoje, eu só quero esquecer tudo isso. Já sofri demais”, disse.

Outra audiência ocorreu no dia 14 de setembro, quando uma cliente que não quis ter a identidade divulgada, relatou ao juiz Jesseir Coelho de Alcântara que fez um procedimento no mesmo dia em que a vítima e também teve problemas com o produto.

“Fiz o procedimento três vezes, algumas vezes para dar retoque porque às vezes um lado ficava maior que outro. E eu tive um problema, o produto desceu pela minha perna e parou no meu pé, ficou inchado”, disse.

Já durante a primeira audiência sobre o caso, realizada no dia 1º de agosto, o presidente do Conselho Regional de Biomedicina, Roni Castilho, disse que, mesmo que fosse biomédica, ela não teria autorização para fazer aplicações de substâncias para aumentar o bumbum na paciente.

“Para exercer a biomedicina estética é preciso fazer especialização, uma pós-graduação de, no mínimo 360 horas. Ainda que fosse biomédica especializada em estética, esse é um procedimento médico, não pode fazer esse procedimento. O biomédico estético só pode fazer certos tipos de aplicação na região do rosto, apenas”, disse.


Morte 

“Maria José foi levada a hospital com dificuldades para respirar e não resistiu” (Foto: Reprodução/TV Anhanguera)

Maria José morreu em 25 de outubro de 2014, menos de um dia depois de fazer a segunda aplicação no bumbum de um produto, ainda não identificado, em uma clínica estética da capital. Após se sentir mal, ela foi internada no Hospital Jardim América, mas não resistiu e morreu.

Em áudios conseguidos, na época, com exclusividade pela TV Anhanguera, Maria José relatou a Raquel que sentia dor no peito e falta de ar logo após fazer a segunda sessão. A ajudante de leilão estava ofegante e fraca, mas a responsável pela aplicação descartou riscos e orientou a vítima a comer “uma coisinha salgada”.

Momentos depois, Maria José encaminhou uma mensagem escrita dizendo: “Tenho medo de AVC [Acidente Vascular Cerebral]. Minha mãe morreu cedo disso”.

Nesse momento, Raquel deu uma risada e descartou a possibilidade de paciente sofrer do problema. “AVC não dá falta de ar não. AVC é no cérebro, não dá falta de ar. Pode ficar tranquila. Você fuma? Alguma coisa assim? Você costuma praticar atividade física? Pode ficar tranquila que tem a ver com a tensão, não tem nada”, disse.

Na época, Raquel Policena foi presa, mas liberada 10 dias depois. Além dela, o ex-namorado, que segundo a denúncia, a auxiliou nas aplicações para aumento de bumbum, também foi indiciado no caso.

Para a delegada Myrian Vidal, responsável pelas investigações da Polícia Civil, o homicídio foi considerado doloso, pois o casal assumiu o risco da morte de Maria José ao não aconselhar que ela procurasse um médico rapidamente ao começar a se sentir mal.

Apesar do indiciamento do casal cerca de um mês depois do crime, o caso ficou mais de dois anos tramitando no Ministério Público de Goiás antes que fosse feita a denúncia. Isso porque houve uma discórdia dos promotores sobre a tipificação do crime, se tratava-se de homicídio culposo, quando não há a intenção de matar, ou doloso.

Por fim, a ação foi analisada pelo promotor Agnaldo Bezerra Lino Tocantins, da promotoria do Júri, que ofereceu a denúncia por homicídio simples, com dolo eventual.

Causas da morte 

Um laudo do Instituto Médico Legal (IML), que foi divulgado em junho de 2015, comprovou que Maria José morreu em decorrência do produto que foi aplicado no bumbum dela, o que causou uma embolia pulmonar seguida de insuficiência respiratória aguda. No entanto, os exames não conseguiram comprovar se o material usado se tratava de hidrogel.

Segundo o IML, essa embolia ocorreu após a segunda aplicação do produto, que seguiu pela corrente sanguínea e chegou aos pulmões. “Algo aconteceu que essa substância saiu da região aplicada e foi parar em outros órgãos nobres, como o pulmão, que recebeu esse corpo estranho e fez esse processo de embolia”, afirmou, na época, a médica legista Ívia Carla Nunes.

O gerente do IML, Marcellus Arantes, esclareceu, na ocasião, que, apesar de não ser possível identificar qual produto foi aplicado em Maria José, o resultado não seria diferente. “Qualquer um dos produtos que caísse na corrente sanguínea da forma que caiu e obstruísse os vasos sanguíneos pulmonares levaria a óbito da mesma forma”, explicou.