30 de outubro de 2013

Entrevista: Dr. Caio Flávio fala do polêmico Projeto de Lei 93

Um projeto de autoria do vereador João Antônio (PSDB), que autoriza farmacêuticos de Catalão, a venderem antibióticos sem receituário médico, está gerando muita polêmica e discussão na cidade. Os médicos são contra o Projeto de Lei, para falar sobre o caso esteve visitando nossa redação, o médico Urologista Dr. Caio Flávio.

DSCF8277“Não estamos contra um grupo de profissionais, ou contra um vereador, nos estamos contra um projeto de lei que é um retrocesso.”

B.B: Doutor Caio quais impactos negativos, teriam esse Projeto de Lei recém aprovado no legislativo de Catalão?

C.F: Badiinho, para que a população entenda, antes de qualquer coisa, a classe de médicos e dentistas de Catalão, também daquelas pessoas que estão bastante conscientes do problema, não esta contra os vereadores, nem tão pouco contra a classe dos farmacêuticos. O que nós estamos tentando explicar para a população, é que esse Projeto de Lei ele traz riscos para toda a sociedade, porque? Existe uma lei federal, existe uma normativa, uma resolução da Agência Nacional de Vigilancia Sanitária (ANVISA) de 2010, confirmada em 2011, que regulamenta a prescrição de antibióticos-antimicrobianos. Essa lei coloca que, além da receita que tem que ser feita em duas vias, e uma via tem que ser retida na farmácia para a escrituração do farmacêutico. Por que dessa lei? A automedicação no Brasil mata mais de 20 mil pessoas por ano, isso de dados registrados, mas muitas mortes, muitos casos não são notificados. Isso se refere a vários medicamentos, mas principalmente ao uso indiscriminado de antibióticos a resistência bacteriana, e a geração e criação de superbactérias. Então temos que deixar bem claro para a população, que os médicos e não só os médicos, os dentistas, boa partes dos enfermeiros representados pela enfermeira Regina Félix também vereadora, não estão contra uma classe de profissionais, nem tão pouco alguns vereadores que defendem esse projeto, mas sim, estão contra um Projeto de Lei que trata de um assunto muito importante, e que libera a venda de medicamentos importante, como antibióticos sem a devida receita médica.

B.B: Em se tratando de saúde, quais os riscos correm aos consumidores?

C.F: Para que a população entenda, a lei coloca que o farmacêutico vai avaliar se é um transtorno menor ou não. Primeiro não existe como você conceituar um transtorno menor, então uma simples dor de garganta, uma simples rifocina para uma ferida, uma simples dor de barriga ou uma simples cistite seria um transtorno menor. Quero dizer que não é, uma simples dor de barriga pode ser um apendicite em uma criança de qualquer idade, adolescente, pessoa idosa que se complicar e supurar se  não operada a tempo leva a pessoa a óbito. Uma simples cistite, dor para urinar que a mulher queixa, pode ser uma infecção urinaria com calculo obstrutivo, bacteremia sepse e óbito, uma simples dor de dente pode ser um abcesso que evolui para um abcesso na mandíbula com complicações e óbito, uma simples infecção de garganta, pode ser um abcesso que pode evoluir para uma meningite. Então esse é o grande risco para a população, além da resistência bacteriana. Todos sabem que a maioria dos antibióticos antigos não funciona mais, porque as pessoas se automedicam, porque o balconista libera o medicamento sem prescrição e orientação, então a bactéria ela cria resistência. Quem já não pediu em algum lugar uma Amoxicilina para dor de garganta? Esse antibiótico não funciona mais, Amoxicilina para dor de dente? Não funciona mais, porque na maioria das vezes nem infecção tem e a pessoa já criou resistência bacteriana. Então cada vez você tem que usar antibióticos mais fortes e mais caros, que são de uso intra-hospitalar porque as bactérias estão resistentes. Essa orientação é da Organização Mundial de Saúde (OMS), do Conselho Federal de Medicina (CFM), de todas as Associações de Médicos, não só de um especifico de Catalão.

B.B: Qual a ilegalidade desse Projeto de Lei?

C.F: Temos que deixar bem claro, que mesmo que o conteúdo estivesse correto no nosso entendimento, a forma de apresentação e os meios não, essa lei é ilegal e inconstitucional, por quê? Ela fere uma lei nacional federal, uma resolução da ANVISA, ela fere a regulamentação das profissões de médicos, dentistas e farmacêuticos, então é uma lei que não pode prosperar, é um ato de inconstitucionalidade, traz riscos para a população, e consequências que não podemos avaliar neste momento, que possivelmente serão catastróficas possivelmente.

B.B: Um dos argumentos do vereador João Antônio (PSDB) autor do projeto é a dificuldade das pessoas em ter acesso aos médicos, mas recentemente foi anunciado pela comunicação da prefeitura mais médicos plantonistas na Santa Casa. Qual a sua avaliação desse argumento?

C.F: Bom, tem que ser colocado o seguinte Badiinho. Primeiro em termos de saúde nunca existe 100%, é uma busca eterna por melhorias, porque quando acontece com a gente, ou complica a gente vai achar que estava ruim esse é o primeiro principio. Catalão tem saúde pública e privada, que se comparada às cidades interiores do restante do país diria no mínimo razoável para boa, pode melhorar? Sempre pode melhorar, mas vamos supor que essa tese do vereador seja verdadeira, falta médicos, o médico não atende a contento, a consulta particular é difícil, se essa tese for verdadeira, tem que ser demonstrada, ela tem que ser modificada no decorrer do tempo. Então se o problema é falta de profissionais, é falta de acesso, a Câmara, os vereadores ao invés de propor projeto que é ilegal, inconstitucional e paliativo, ou melhor, dizendo um remendo, eles deveriam buscar esses dados e propor uma solução, para os gestores públicos, para o prefeito, é problema isso? Se for tem que ser resolvido, mas não desta forma, não é infringindo a lei, não é colocando risco a saúde da população, objetivado uma simplicidade, uma simplificação de liberação de medicamentos. Volto a dizer, se esse projeto prosperar confirma que não temos nenhuma segurança jurídica em Catalão, por quê? O legislativo municipal, ele não tem competência para legislar em aspecto de saúde, ele tem competência para administrar, então esse projeto é totalmente ilegal e inconstitucional, e mesmo que prospere, cabe uma ação judicial direta no Supremo Tribunal Federal (STF) de inconstitucionalidade e uma suspenção local pelo promotor de justiça, com a aprovação do juiz no sentido de suspender a lei ate que seja julgado em Brasília, transitado e julgado.

DSCF8278“Lei coloca que o farmacêutico vai avaliar se é um transtorno menor ou não”

B.B: A preocupação dos médicos, é em relação nos prejuízos à saúde dos cidadãos caso esse projeto venha ter validade?

C.F: Somente isso, obviamente que como cidadão é uma preocupação legal, se amanhã um vereador por orientação de um grupo da saúde, coloque outro projeto que vá contra uma lei federal e contra a ANVISA, então a cada dia pode ser feita uma lei em Catalão para a saúde e isso não existe. Mas independente disso, o mais importante é o rico para a população. Antes de 2010 não existia a necessidade de receita carbonada para antibiótico, essa determinação veio da ANVISA do Ministério da Saúde, e orientada pela Organização Mundial da Saúde e não foram os médicos que fizeram essa lei, e os médicos acataram essa lei, para nos é até mais trabalhoso, ter que fazer em duas vias, só que essa medida é no sentido de diminuir a automedicação, a resistência bacteriana e as mortes, é uma medida para a saúde da população. Não estamos contra um grupo de profissionais, ou contra um vereador, nos estamos contra um projeto de lei que é um retrocesso.

B.B: Além de uma nota de esclarecimento que foi divulgada em alguns veículos de comunicação de Catalão, e da participação na audiência pública que acontece nesta quinta-feira,3, quais as outras iniciativas que a classe médica esta tomando contra esse projeto?

C.F: Discutimo-nos com a classe de dentistas, Associação Brasileira de Odontologia (ABO), regional Catalão, Dro. Carlos Henrique dentista e advogado subscreveu uma carta de apoio ao movimento com autorização da presidente da ABO regional Drª. Vera. Conseguimos discutir esse aspecto, com alguns colegas da área jurídica, encaminhamos ao MP-Ministério Público providencias e ele irá fazer o entendimento e orientar qual a próxima etapa, conversamos com os juízes que entendem a inconstitucionalidade da lei, e nos temos o respaldo do Conselho Federal de Medicina (CFM), Conselho Regional de Medicina (CRM), Associação Médica Brasileira (AMB), Sindicato dos Médicos, Organização Mundial de Saúde (OMS), Ordem Brasileira dos Advogados (OAB) seccional Goiás, Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), todas as sociedades de especialidades, então temos os respaldos técnico e jurídico, respaldo jurídico por conta de um projeto inconstitucional e ilegal sabidamente, que não deveria ter sido discutido nesses tramites, e o respaldo técnico amparado em trabalhos científicos, em dados da própria indústria farmacêutica, que reconhece o número de mortes no Brasil por automedicação, respaldados pela ANVISA que é uma autarquia federal de vigilância sanitária, então nos temos entendimento, que o respaldo técnico e jurídico nos habilita a discutir esse assunto e colocar toda a sociedade que entende o processo contra esse Projeto de Lei.  

Segue áudio da entrevista abaixo: