27 de junho de 2013

Antero: o santo popular vai aos palcos

Foto: Reprodução

Quem não gosta de ouvir histórias? Quem nunca parou ao final da tarde para contar uma história para um filho, um vizinho ou para um amigo? Contamos nossas próprias histórias, contamos histórias dos outro e, vez ou outra, a história do outro torna-se nossa história.

Algumas histórias, compartilhamos publicamente. Outras, guardamos em nosso íntimo. Muitas dessas histórias são passadas aos mais jovens, tornando-se um elo entre aqueles que estão no presente e seus antepassados, que viveram num período que em sua memória se apresenta como melhor que o tempo atual.

A cidade de Catalão (GO) possui inúmeras histórias que não caíram no esquecimento de seus contadores. Essas histórias foram contatas e recontadas cotidianamente ao longo dos anos. Algumas acabam se tornando “causos” carregados de vivências, experiências e mistérios. A história de Antero faz parte das inúmeras memórias que a cidade resguarda. O morador da cidade de Catalão foi morto em 1936 por ter sido acusado de assassinar Albino Felipe. Antero não recebeu julgamento formal, mas foi acusado e preso. Ele foi retirado da cadeia por jagunços e populares, foi  linchado e morto.

A partir do episódio de sua morte, surgiram várias outras histórias que tem como elemento central a figura de Antero. De um sujeito comum, o mártir passou a ser visto como personagem representativo de um período histórico, despertando em vários pesquisadores o interesse por sua vida. Entre eles, Luís Palacín Gomes e Juarez Costa Barbosa Fayad que buscam esclarecer episódios que marcaram a história de Catalão. Cornélio Ramos, por sua vez, estudou as memórias e narrativas dos moradores de Catalão, que cresceram ouvindo as inúmeras histórias sobre Antero.

Para Luís Palacín e Juarez Costa, é impossível tratar da historiografia de Catalão sem nos ater ao assassinato de Antero, “seja pela dimensão de barbarismo e violência, seja pela aura de misticismo que envolveu esse misto de poeta, farmacêutico e ‘santo’”. Os pesquisadores destacaram a dificuldade em abordar o assunto, uma vez que aqueles que se aventuram nos estudos podem cair no quase irreversível “buraco negro” do universo histórico, feito da pouca informação de documentos que atestam o caso, sendo necessário recorrer aos relatos e refúgios da memória.

A história de Antero chama a atenção especialmente quando se percebe que ela permeia o mundo de memórias dos moradores da cidade. É comum ouvir dos mais antigos que sua história carrega uma saga de sangue. Também é corriqueiro os moradores não pronunciarem nomes e sobrenomes de algumas famílias da cidade, ou, quando muito, as proferirem sussurrando, em um som quase que incompreensível.

A história de Antero, além de estar impregnada de mistérios e explicações conturbadas, não possui registros que redimensionem corretamente o acontecido. E, mais uma vez, estamos diante da labuta do próprio historiador: ir atrás das minúcias, do negligenciado, dos “não ditos” pela história oficial, ou seja, vamos “criar” as próprias fontes. Dessa forma, vimos que é necessário recorrer não apenas àquilo que está fixo e datado no tempo e que diz sobre um passado. Devemos buscar aquilo que ocupa lugar no marginal, que pertence ao povo e que diz respeito ao povo; que se manifesta como algo móvel e indeciso, ante a tentativa de uniformidade de julgamento.

O ano da morte de Antero pertence, sim, ao passado, mas os caminhos que a história de morte tomou se descobrem no presente, uma vez que tal episódio tornou-se o marco central da santificação popular de Antero. Hoje, ele é visto por parte da população local como mártir da cidade de Catalão. Deste modo, a investigação não se finda num evento do passado, mas sim nos caminhos possíveis que a história de morte percorreu, passando, inclusive pela santificação popular.

Sendo assim, a investigação histórica sobre o caso se assenta sobre o solo da religiosidade popular. Quando recorremos às manifestações de fé dos devotos que santificaram Antero, às obras escritas sobre o assunto ou aos testemunhos do caso da história de morte do mártir encontramos os caminhos de sobrevivência da memória popular.  Tomar como fonte de estudo o caso de Antero é estabelecer um diálogo entre as práticas e representações, pensar a narrativa e a realidade como campos conflituosos, a memória e o testemunho como possibilidade de acesso e sentido do passado, e o tempo como produtor de múltiplos discursos e interpretações sobre o caso.

História de Antero será retratada em peça teatral

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Em  agosto 2013, um projeto teatral ousado vai retratar a história de Antero  nos palcos, imortalizando assim uma das histórias mais marcantes da cidade de Catalão, ora de dor e hoje de libertação coletiva. No dia 16 de agosto, a Cia Express’arte realizará a estreia do espetáculo “Antero”, que retrata a história do santo popular Antero da Costa Carvalho. O lançamento do espetáculo será realizado às 00h, no Anfiteatro Paulo de Bastos Perillo da UFG/CAC. Posteriormente, o espetáculo será reapresentado nos dias 23 (20h), 24 (15h e 20h) e 25 (19h) de agosto. Participem!

Texto: Jaciely Soares – mestranda em História Social da UFU e supervisora de conteúdo do espetáculo “Antero” da Cia Express’arte – Catalão.