17 de setembro de 2018

Pesquisas apontam a empregabilidade de quem tem esclerose múltipla

Não há dúvidas que o alto nível de desemprego no país é um dos principais temas ao qual o eleitor brasileiro buscará resposta nos programas de governo dos presidenciáveis. No meio de agosto, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua referente aos meses de abril, maio e junho de 2018, conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), constatou que falta emprego a 27,6 milhões de brasileiros.

As projeções econômicas tímidas e a demora natural do reaquecimento do mercado de trabalho, apontam para um cenário desafiador para essa importante parcela da sociedade. Dentro desse contingente, as dificuldades são ainda potencializadas para aquelas pessoas que convivem com doenças crônicas graves, como é o caso da esclerose múltipla (EM). Para além dos aspectos clínicos e sociais, que são extremamente relevantes, é preciso dar visibilidade e iniciar uma discussão sobre como o diagnóstico precoce e o manejo adequado da doença impacta a empregabilidade dessa população.

A esclerose múltipla é uma doença que atinge, só no Brasil, cerca de 40 mil pessoas e 3 milhões em todo o mundo, sendo, na maioria dos casos, indivíduos em idade produtiva – jovens entre 20 e 40 anos. Nesse contexto, uma das grandes discussões é o impacto da doença na vida de quem convive, seja paciente, familiar ou cuidador. “Participamos de um estudo que avaliou a empregabilidade de brasileiros que convivem com a esclerose múltipla. O levantamento revelou que a taxa de desemprego quase duplica durante o curso da doença”, explica Gustavo San Martin, superintendente da associação Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME).

A pesquisa, ainda em desenvolvimento, é realizada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em parceria com a AME e foi apresentada no Congresso da Academia Americana de Neurologia deste ano, em Los Angeles (Estados Unidos). Segundo o neurologista especializado em esclerose múltipla, Denis Bichuetti, responsável pelo estudo, foi possível levantar o status de emprego de uma grande amostra de pacientes no Brasil. “Apenas 58,9% das pessoas altamente qualificadas convivendo com EM estavam empregadas no momento da entrevista, realizada entre abril e novembro de 2017. No ato do diagnóstico, o índice era de 79%”, conta Bichuetti. O levantamento mostrou, também, que a demora no diagnóstico pode impactar negativamente na vida profissional do paciente, possivelmente por estar associado ao atraso de início de tratamento. “Está comprovado que o diagnóstico precoce e o tratamento adequado podem favorecer a retenção de emprego e reduzir os custos relacionados à deficiência, como benefícios sociais e uso de fundos de pensão em vários lugares do mundo. E porque não também no Brasil?”, comenta o médico, que já planeja uma complementação deste trabalho.

Para Bichuetti, ainda é necessário avaliar e compreender plenamente o custo da doença no Brasil. “Como exemplo, podemos citar o Reino Unido, onde uma pessoa com EM nos anos iniciais de doença e com pouca incapacidade neurológica custa cerca de 85 mil reais por ano, mas, se deixarmos a incapacidade progredir a ponto de a pessoa depender de um apoio unilateral para caminhar, estes valores triplicam”. Os custos proporcionais relacionados a medicamentos caem e aumentam os indiretos e os relacionados com cuidados informais. O especialista explica que o remédio, que é tido como de alto custo, torna-se a menor parte do custo total da doença com o tempo, se não usado adequadamente e no momento certo. “O Brasil tem poucas informações precisas sobre o tema. Dados de 2012 apontam uma tendência semelhante, com estimativa de custo aproximado em quase 70 mil reais por ano. Percebemos que o aumento da incapacidade gera mais custos do que oferecer o tratamento adequado precocemente, infelizmente”, afirma o médico, que é professor adjunto da Unifesp e membro da equipe multidisciplinar da AME.

O cuidado apropriado ao paciente, bem como a geração de dados que permitam à tomada de decisão suportada por evidências, são extremamente relevantes para o paciente e sua família, mas também para a eficiência dos sistemas de saúde.

As múltiplas faces da esclerose múltipla – Neste ano, a associação apoiou a realização de outra pesquisa sobre o tema, conduzida pela Editora Abril, com o patrocínio da empresa farmacêutica Biogen. “O estudo Múltiplas Faces é muito relevante e traz dados concretos sobre os impactos sociais e econômicos que a esclerose múltipla pode causar”, afirma Marcelo Gomes, diretor médico da Biogen do Brasil.

Com um universo de quase 1.800 pacientes, a pesquisa mostrou que entender e respeitar as necessidades do corpo e da mente é um dos principais desafios de quem convive com a doença. O estudo revela, por um lado, que o bom entendimento do paciente sobre a doença aumenta sensivelmente sua adesão ao tratamento e, por outro, destaca a importância dos aspectos sociais para o sucesso do tratamento e da qualidade de vida. O convívio com a família e amigos, por exemplo impacta a continuidade do tratamento para 93% dos respondentes e 49% afirma que influencia a qualidade de vida.

Os sintomas “invisíveis” da doença – como a fadiga, a dor, o formigamento e o déficit cognitivo – são um dos fatores que também repercutem na vida das pessoas com EM que querem continuar no mercado de trabalho. Já 53% afirmaram que são julgadas e criticadas pela situação gerada por essas manifestações não aparentes. “É importante lembrar que não são só os sintomas graves e debilitantes que abalam negativamente a vida dos pacientes. Às vezes, quem tem EM não consegue fazer tarefas simples, do dia a dia. Isso nem sempre é compreendido porque a pessoa aparenta estar bem fisicamente”, explica Gomes.

A pesquisa também revela que dentre os principais sintomas que afetam as pessoas com EM a fadiga lidera o ranking com (91%), acompanhada por dormência e/ou formigamento (80%) e fraqueza muscular (78%). “Esse estudo traz dados abrangentes e ampliam a visão sobre o impacto da doença na vida dos pacientes. A fadiga, por exemplo, é uma sensação de desgaste que vai além do cansaço, e pode deixar o paciente afetado pela EM totalmente sem forças e incapacitado. A incompreensão desses e outros sintomas pode gerar um estresse emocional enorme”.

Entenda o que é a esclerose múltipla

A esclerose múltipla é uma doença que compromete o sistema nervoso central. É um processo de inflamação crônica de natureza autoimune que pode causar desde problemas momentâneos de visão, falta de equilíbrio até sintomas mais graves, como déficit visual permanente e paralisia completa dos membros. A enfermidade está relacionada à destruição da mielina – substância que envolve as fibras nervosas responsáveis pela condução dos impulsos elétricos no cérebro, medula espinhal e nervos ópticos. A perda da mielina pode dificultar e até mesmo interromper a transmissão de impulsos. A inflamação pode atingir diferentes partes do sistema nervoso, provocando sintomas distintos, que podem ser leves ou graves, sem hora certa para aparecer.

A doença geralmente surge sob a forma de surtos recorrentes, sintomas neurológicos que duram ao menos um dia. A maioria dos pacientes diagnosticados são jovens, entre 20 e 40 anos, o que resulta em um impacto pessoal, social e econômico considerável por ser uma fase extremamente ativa do ser humano. A progressão, a gravidade e a especificidade dos sintomas são imprevisíveis e variam de uma pessoa para outra. Algumas são minimamente afetadas, enquanto outras sofrem rápida progressão até a incapacidade total. É uma doença degenerativa, que progride quando não tratada. É senso comum entre a classe médica que para controlar os sintomas e reduzir a progressão da doença, o diagnóstico e o tratamento precoce são essenciais.

Escrito por: Redação